Ser mãe é assumir uma responsabilidade incondicional para o resto da vida. Uma filha espera ser filha para sempre, sendo amada, educada, paparicada, cuidada, tendo atenção durante toda a vida ou enquanto sua mãe puder. E quando a vida trouxer dor, que ela tenha um colo materno, e quando houver angústia, que ela encontre palavras sábias da mãe ou simplesmente uma presença de afeto. Na ausência desse conforto maternal, essa filha pode ter um vazio interno, uma estranheza, um desamparo, que muitas vezes traz sentimentos de exclusão, abandono, parecendo ser órfã de uma mãe viva.

Muitas mães, depois de certa idade, começam a ser mais dependentes e, com o avançar da idade e/ou com o aparecimento das doenças, as mobilidades físicas e cognitivas vão roubando essa mãe do papel maternal e atribuindo este à filha, é quando chega o momento da inversão de papéis, a filha se torna a mãe da mãe. No entanto, há situações em que a mãe antecipa esses cuidados mesmo sem precisar, talvez por carência ou comodismo. Essa inversão de o papel antecipadamente, mesmo a mãe tendo condições físicas de se cuidar, instala a sobrecarga na filha precocemente, antes mesmo da real necessidade advinda pelo tempo.

Quando a mãe não tiver mais condições físicas de se cuidar, essa filha já estará extremamente desgastada e assim terá muito mais dificuldades para se adaptar ao papel de cuidadora. A filha não está pronta para trocar de lugar numa relação de filha e mãe. E essa árdua tarefa, por vezes, vem silenciar os próprios sentimentos de filha, para vivenciar os sentimentos da mãe. O amor de uma filha ou filho por uma mãe, em muitos exemplos, é incomensurável. Uma filha para resguardar e proteger sua mãe dos acontecimentos e problemas da sua própria vida e dos abalos do mundo, às vezes se abdica de momentos de lazer, prazer, relações, e por aí vai. E pode mascarar problemas, fazer parecer tudo bem para poupar a mãe, enquanto pode estar vivendo crises pessoais, conjugais, profissionais, familiares, ou até financeiras. E assim filtra a própria angústia. Nesse novo papel, a filha passa a não ter mais colo, nem cafuné para consolá-la.

E ser a mãe da mãe é ainda mais difícil, porque ela lembrará que é sua mãe e reagirá às investidas da filha, porque sabe que no fundo a filha lhe deve obediência.

É desafiador, e a filha precisará aprender para proteger aquela que hoje não é mais aquela de outros tempos, e ela a ama.

De acordo com a psicanálise, há filhas e mães que vivem a inversão de papéis, constituída essencialmente por dinâmicas intrapsíquicas e que estão em nível inconsciente da mente, causando um sofrimento psíquico muito intenso, onde no passado a mãe não exercendo seu papel de mãe adequadamente, porém ela não possuía os instrumentos cognitivos e afetivos para reconhecê-lo e administrá-lo. E assim, a filha se identifica com essa mãe que ela teve e precisa aprender a ter os instrumentos cognitivos e afetivos para ser a cuidadora da sua própria mãe.

Inconscientemente, pode haver a identificação da filha com a mãe boa ou má que ela teve. Fantasias inconscientes relacionadas à mãe e a ela mesma, como adulta, absolutamente não somos sempre “boas mães” e “bons adultos”, o que leva a filha a perdoar repetidamente os erros da sua mãe e os próprios erros, e desta forma, a ressignificar sua vida e a da sua mãe no seu papel de mãe da mãe, com a esperança de assim se defenderem melhor da má sorte que pesa e pesou em suas vidas.

E alguns pontos positivos de ser a mãe da própria mãe é aprender a ter paciência, generosidade, abrir mão de si por um tempo para cuidar da mãe, assim como a mãe abriu mão de si para cuidar da filha, a lidar com a resistência e achar soluções criativas, dentre outros.

A tarefa da filha de cuidar da mãe é exigente, requer abrir mão de certezas, de adaptar, passar de ser cuidada para cuidadora. Desta forma, a filha também pode precisar de cuidados, o desgaste emocional é grande, e fazendo ela se sentir sobrecarregada e, às vezes, culpada. Pode haver um misto de sentimentos e emoções. É importante que a filha busque fazer atividades que goste que cuide da sua espiritualidade que dá grande suporte para enfrentar e superar este papel desafiador.

Haverá conflitos internos, a filha poderá achar que não suportará cuidar da mãe. Por isso, é fundamental buscar ajuda profissional de um psicólogo(a) para compartilhar sua experiência e para desabafar e trabalhar seus sentimentos, emoções e dificuldades.

22 respostas

  1. Texto perfeito. Exatamente isso que estou vivendo no momento. Me tornei cuidadora da minha mãe.

    1. Olá Marilei, primeiramente desculpe a demora em responder. Gostaria de parabeniza lá pela coragem em expressar sua opinião diante o texto e sua dor.
      Nunca estaremos prontas para assumir o papel de mãe da nossa mãe, mas a vida nos coloca de frente a esse desafio. O que posso te dizer é, vc não está sozinha nessa luta, deixo com você uma reflexão: como pode ser mais leve esse caminhar?
      É muito importante que diante as dificuldades junto aos cuidados a sua mãe, você encontre formas de recarregar suas energias.
      Um forte abraço, sinta se acolhida!
      Alessandra.

    2. Exato estou passando por tudo isso, nada do que faço está bom, tudo tem que ser do jeito da minha mãe e como ela quer, sempre prevalece o interesse por parte dela.
      É uma pessoa que gosta de obter resultados através de mim.
      Acha que tenho obrigação com ela, além de ser egoísta e sempre pensa somente nela.
      Eu tenho o dever de ajudar, mas não de morrer por ela, esse conselho de um psiquiatra.

  2. Estou nesta situação, ouvindo críticas por ser mãe da mãe só q é uma postura inconsciente e descobri q sou mal vista até pela minha mãe q reclama q eu nso deixo isso ou aquilo…preciso de ajuda para administrar isso.

    1. Olá Sheila,
      Obrigada por conseguir falar e expressar um pouco da sua dor.
      Interessante pensar, as críticas que te fazem, faz sentido para você?
      As críticas sempre existirão, mas a forma como elas impactam nossa vida é que importa.
      Porquê vc está permitindo essas críticas te impactar?
      Como está seu amor próprio e sua autoestima?
      Forte abraço!
      Alessandra.

  3. Do jeito da minha vida.
    Fiquei impressionada.
    Tudo isso estou passando.
    Só que eu agora estou velha ,sem forças.

    1. Olá Eliane, obrigada pelo seu cometário.
      Estar velha é uma visão limitada e muito relativa. Agora estar sem forças é algo preocupante.
      O que te faz pensar e ou sentir que está sem forças?
      O que poderia fazer para renovar suas forças?
      Eu acredito muito que, enquanto vida tiver, vc pode revigorar e fazer um pouco diferente.
      Me deixe saber mais sobre você?
      Forte abraço.
      Alessandra!

    2. Lendo aqui e refletindo… difícil essa missão, mas não impossível
      Infelizmente 😕 quando elas mas precisam os filhos se vão…cada um vive a sua vida, e tem suas ocupações
      Eu diria que não é questão de obrigação e sim se amor e respeito, pq obrigação todos os filhos têm, mas amor…?
      “Como diz minha mãe: Uma mãe é para 100 filhos mas 100 filhos não é para uma mãe”
      Infelizmente o filho que “resta” ou assumi a responsabilidade fica sobrecarregado…

    3. Lendo aqui e refletindo… difícil essa missão, mas não impossível!
      Infelizmente 😕 quando elas mas precisam os filhos se vão…cada um vive a sua vida, e tem suas ocupações
      Eu diria que não é questão de obrigação e sim se amor e respeito, pq obrigação todos os filhos têm, mas amor…?
      “Como diz minha mãe: Uma mãe é para 100 filhos mas 100 filhos não é para uma mãe”
      Infelizmente o filho que “resta” ou assumi a responsabilidade fica sobrecarregado…

  4. Eu tô cansada disso, mesmo sendo jovem, recai tudo sobre as minhas costas, os problemas dela são os meus, e eu tenho que lidar e resolver. As atitudes impulsivas delas, os gastos tudo sou eu que tenho que lidar. Me sinto exalta

    1. Olá Bia, sinto muito por tanto sofrimento. Sua mãe esta impossibilitada de cuidar dela? Quantos anos ela tem?
      Caso esse não seja os problemas da sua mãe, você precisa se cuidar e em alguns casos, até mesmo se afastar para poder viver sua vida.

    2. Oi Bia, eu também sou jovem e sou responsável pela minha mãe. Ela muitas vezes tem uma necessidade da minha ajuda que normalmente não deveria ter, e eu não posso me preocupar só com as minhas coisas, tenho q me preocupar com as dela também. Isso me desgasta demais e não posso conversar com ela, porque da última vez ela ficou brava comigo. Então me resta aceitar calada e surtar em silêncio.

  5. Eu me chamo claudineia tenho 44 anos a minha minha mãe tem problema de Alzheimer e hoje é a camada não fui criada pela minha mãe ela me abandonou com dois anos de idade e ali eu pude viver os piores momentos que uma criança poderia viver fui viver na rua passei fome fui e******** minha vida foi um sofrimento muito grande acredito que se ela não tivesse me abandonado teria sido tudo diferente mas pela misericórdia de Deus eu perdoei filho nenhum deles quer saber dela somente eu cuido dela me sinto cansada sozinha estou com meu emocional muito abalado e já não sei o que fazer

    1. Olá Claudineia, muito obrigada pelo seu relato, imagino quanta dor você carrega.
      Muitas vezes aqueles que eram para proteger, desamparam. Tenho uma pergunta a te fazer, como foi a história de vida da sua mãe?
      Quase sempre quem abandona, também foi abandonado, mas há tambem os casos de superação, como o seu que não abandonou sua mãe, mesmo tendo sido abandonada por ela. O que desejo ter dizer é que, mesmo diante tanta dor, sofrimento e abandono, você alimenta dentro de si o amor. Mas mesmo assim, acredito que você precisa cuidar das feridas que ainda estão abertas. Já pensou em fazer terapia?

  6. Me sentindo muito cansada não tenho mas vida vivo pra ela , a situação dela exige muito meu emocional está péssimo o fato de eu não sair mais de casa porque eu tenho que cuidar dela o tempo todo adquirir muito peso me acho uma mulher feia gorda minha vida mudou totalmente e eu não sei o que

    1. Claudineia, você tem rede de apoio? Esposo, filhos, amigos ou irmãos que possam te ajudar nesses cuidados?

  7. Tenho 45 anos e sou mãe da minha mãe .
    Minha mãe já percebeu que sou ativa e deixa tudo pra eu resolver, compras de mercado, contas a pagar , limpeza da casa , organização de suas documentações. Trabalho o dia todo e não tenho apoio em nada .
    Sou eu para fazer tudo , pois simplemente por comodismo dela .
    Minha mãe tem 68 anos, gosta muito de beber tem uma vibe diferente.
    Digo que ela é uma adolescente idosa

    1. Olá Astrid,
      Muito obrigada por compartilhar aqui o seu relato.
      Imagino o quão sobrecarregada você fica.
      Gostaria de dizer a você que, é muito importante em meio a todas essas tarefas, você incluir o autocuidado e amor próprio. Um exercício interessante é você se perguntar: Quem cuidará de mim quando tiver a idade de minha mãe? Compreendo que possa ser difícil para você deixar os cuidados a sua mãe, mas e os cuidados a você?
      Olhe com amor e zêlo para si. Se sua mãe deixa tudo para você, é porque talvez ela acredita que você seja forte o suficiente para fazer tudo sozinha. Quem sabe se você começar a demonstrar para a sua mãe, o seu cansaço e sua fragilidade, pra que ela comece a perceber que você esta bastante sobrecarregada e precisa da contribuição dela?
      Forte Abraço,
      Alessandra.

  8. Praticamente minha vida toda foi assim. Sou filha do meio, e devido a varias frustrações da minha mãe que eu presenciei, quis ser a filha de ouro pra que ela não sofresse mais, pelo menos não comigo. Mas isso transformou a vida dela em um comodismo em que eu era forte e que dava conta de responsabilidades que ela não queria lidar, como cuidar das suas filhas. Eu e minha irmã mais velha nos criamos praticamente sozinhas, e quando tivemos oportunidade saimos da casa dela, mas ainda tem a caçula que está passando por sua fase de rebeldia e minha mãe não sabe lidar, então vive querendo que eu resolva pra ela, basicamente quer que eu seja a mãe da minha irmã. Mas como você descreveu muito bem, eu a amo muito e não consigo colocar um basta nisso, pois ela sempre se vitimiza quando eu não faço o que ela quer, e isso sempre me faz ter muita culpa…

  9. Praticamente minha vida toda foi assim. Sou filha do meio, e devido a varias frustrações da minha mãe que eu presenciei, quis ser a filha de ouro pra que ela não sofresse mais, pelo menos não comigo. Mas isso transformou a vida dela em um comodismo em que eu era forte e que dava conta de responsabilidades que ela não queria lidar, como cuidar das suas filhas. Eu e minha irmã mais velha nos criamos praticamente sozinhas, e quando tivemos oportunidade saimos da casa dela, mas ainda tem a caçula que está passando por sua fase de rebeldia e minha mãe não sabe lidar, então vive querendo que eu resolva pra ela, basicamente quer que eu seja a mãe da minha irmã. Mas como você descreveu muito bem, eu a amo muito e não consigo colocar um basta nisso, pois ela sempre se vitimiza quando eu não faço o que ela quer, e isso sempre me faz sentir muita culpa…

  10. Vendo todos esses relatos,vejo que não estou sozinha. Tenho 49 e hoje minha mãe precisa da minha companhia. Tenho outros irmãos mas como sou solteira e sem filhos e não estou trabalhando, fica tudo mais na minha responsabilidade. E ao cobrar pelo menos um dia que tirem para ela,que tem autonomia mas não sai sozinha devido a artrose, a resposta foi que eu já saí muito nos 45 de vida, desde pandemia para cá estou mais restrita,que já saio 1 vez na semana para algo meu, e como não trabalho,não tenho filhos e não casei eu não tenho problemas. Sendo que a questão psicológica é pesada porque minha mãe é estilo tem que ser do jeito dela, tudo tem que passar por ela, e ela diz para os meus irmão e eu que tenho que fazer isso aquilo porque eu quem moro com ela. Não estou reclamando mas se fossem mais compreensíveis,ela também tivesse um gênio mais brando,seria melhor como hoje,não teve desgaste,cobrança o tempo todo e de tudo mesmo antes de eu agir.

  11. Eu tenho 30 anos, moro no interiorzao que não tem muitas coisas, tipo emprego, aqui não consigo trabalho, minha mãe tem 72 anos, já pensei em sair daqui e viver minha vida, mas me parte o coração dela aqui só, por eu ser a filha mais nova, parece que sou obrigada a ficar Aki, todos meus irmãos já formaram suas famílias e eu não consigo nada. Me sinto tão inútil, parecendo que estou plantada na terra errada, e se um dia ela vier a faltar, ficarei sozinha, que vai cuidar de mim. Não tenho filhos nem marido.

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